JORGE DE LIMA

...como sabem meus seis leitores,
é membro do triunvirato de poetas católicos
do Brasil, ao lado de Murilo Mendes
e Augusto F. Schmidt.
Então, deixo transcrito aqui
mais um poema deste católico exemplar
e meu poeta predileto quando o tema é o Sagrado!



Confissões, Lamentações e Esperança a Caminho de Damasco.(*)

O MUNDO precisava de amor:
na véspera de Vossa Morte nos deixastes um legado:
a Hóstia para matar fome e sede.
E vossa Missão terminada subistes para a direita do Pai
e Lhe mostrastes as cicatrizes que Vos deixamos no corpo.
Pai Amado, eu que sou a realização de Vosso Pensamento,
dai-me complacências.
Senhor, minha Fé é diminuta: aumentai-a.
Dai-me olhos de contemplação,
dai-me respostas,
dai-me um cavalo de Vosso Reino
que tomando as rédeas de minha mão me leve para Damasco.
Pai Amado, sou cego, aleijado, e paralítico:
meus membros não darão na Cruz.
Estou calejado de perenes quedas:
Curai-me todo.
Transformai-me como transformastes o vinho.
Não me abandoneis em interrogação permanente.
Dei-vos uma costela para fazerdes Eva
e as 23 restantes a Satã para corrompê-la.
Sou colono e amicíssimo de Lúcifer.
Sou da primeira serpente, sou um prisioneiro da primeira guerra.
Dai-me um cavalo de Vosso Reino para ir a Damasco!
Sou fornecedor de armas para os filisteus.
Sou o que torpedeia a Arca e a Barca.
Sou o reconstrutor de Babel.
Sou bombeiro do incêndio de Sodoma.
Fui demitido da Vida.
e Vós me enviastes outra vez.
Demiti-me de novo que errei mais!
Sou o assassino de Lázaro,
sou plantador de joio:
Dai-me um cavalo para eu fugir!
Quis afogar São Cristóvão,
transformei as algas em micróbios
e as asas em aviões de guerra!
Deu Amado, Vós que tendes sido meu pára-quedas,
meu ascensor, minha escada, minha ponte,
segurai-me para que eu não me precipite dos arranha-céus!
Dai-me um cavalo para eu fugir!
Dai-me um cavalo de Vosso Reino
e que eu sem querer vá para Damasco.
Amado Pai, no caminho de Damasco
basta uma sílaba para eu enxergar de novo,
ou um coice de Vosso cavalo para eu despertar na Luz!

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(*) © 1959. Família Jorge de Lima
Fonte:
LIMA, JORGE de. “OBRA COMPLETA, vol.I – “A Túnica Inconsútil”, Aguilar, Rio de Janeiro, 1958, p.441/2.
(recorte de Diário da Manhã, Goiânia, Cultural)Jorge de Lima_Relançamento_Recorte.jpg
Post-Post: Uma boa notícia é que foi relançada a obra “Invenção de Orfeu”, pela Editora Cosac Naif, obra por muitos críticos considerada como “o primeiro [grande] poema da brasilidade” (J.G. Simões, 1952). E Murilo Mendes, cit. por J.G. Simões, no prefácio à 1a. edição da Invenção de Orfeu, diz:
”O trabalho de exegese do livro terá que ser lentamente feito, através dos anos, por equipes de críticos que o abordem com amor, ciência e intuição, e não apenas com um frio aparelhamento erudito”. (p.609 da OC).